segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Amagogía

Há bolo de mel
nas mãos da rapariga
ali, parada, à beira de todas as estradas do mundo.
Há seiva correndo,
na árvore que plantámos,
no quintal do nosso tempo.
Nunca soubemos que árvore era aquela.
Nunca soubemos que nome lhe dar.
E estão histórias de cordel,
a secar,
naquela casa,
onde as paredes são de uma cor
que ainda não foi inventada por ninguém.
E só nós é que podemos ver essa cor,
e essas paredes e essas histórias e essa casa e essa rapariga.
Porque só nós é que crescemos dentro delas.
E nos tornámos nelas.
Porque nesta vida, como toda a gente diz,
há que tornar-se sempre em alguma coisa,
de preferência, que nos distinga dos outros.
(ainda que, no fim,
tornemos todos ao mesmo sítio).

sábado, 9 de setembro de 2017

"Dalila aprendeu a ser assim, a agir, a ser e a estar de modo a que não esperassem nada de si. Como o aprendera e porquê, a isso ela não sabia responder. Mas por sorte, sei mais sobre Dalila do que ela própria e, por isso, posso explicar-vos. Dalila, órfã de mãe, frequentemente esquecida no balcão dos botequins, vivia com o pai, que só ocasionalmente conseguia ser pai, apesar de amar a filha. Mas que coisa estranha é essa, o amor... Se o amor fosse um homem teria, seguramente, mil caras diferentes e confudir-se-ia facilmente no meio de uma multidão onde deambulam outros homens. Onde vagueiam, errantes, o medo, o desespero, a frustração, a raiva e outros tantos parentes de gala. E ainda bem que assim é, caso contrário, deixaríamos de reconhecer em nós mesmos o que nos torna humanos. Um dia, Manuel, que amava Dalila, levantou-lhe a mão. As lágrimas que a menina chorou arderam-lhe na face, no sítio onde a mão injusta lhe caíra. E foram lágrimas dor e de vergonha, lágrimas de quem não conseguia compreender a dor por trás da força bruta que se insurgira contra si."

In "Dalila foi à Guerra"