quinta-feira, 4 de junho de 2009

Teresa


Coimbra, 21 de Setembro de 1998



Querida Teresa:

O Inverno daqui, já se foi há muito, as folhas crescem nas árvores, os dias são grandes, tão pequenos, enormes e, passam quase à mesma velocidade com que os pássaros saiem dos ninhos, e partem, vindos de outro lugar que não este, de longe, bem longe, de onde os seus olhos gravaram imagens e as suas canções trazem historias, que reproduzem num canto arrebatador e incompreensível por vezes…
Tem tudo estado como tu gostas, os dias são limpos, o mar, espelho do céu, vai e vem calmo, vai e vem de mansinho, como se não quisesse perturbar os pensamentos de quem se senta perdido na areia, ou de quem se deixa levar pela pequenez do seu Ser ao olhar a sua imensidão, vai e vem, quase silencioso, quase inaudível… Não vou até lá desde que te foste, há muito que a areia que piso não é a mesma areia fina e branca que eu tentava agarrar e escorregava entre os meus dedos.
De manhã, quando acordo, a Natureza dá logo de si e os pássaros, aqueles que vieram de outro lugar longe deste, mas certo é que poisaram na minha janela, cantam vivamente. Já não suporto aquele cantar, aquele cantar que penetra sem aviso nas quatro paredes escuras, nos meus sonhos, aquela alegria violenta que entrava sem aviso, sem palavras, que me irrequieta, que me irrita, que me faz inveja …
Quero que saibas que ainda tenho, na minha mesa-de-cabeceira, aquela fotografia nossa, que julgo ter sido a única que sobreviveu às mudanças e ao Tempo. Eu, estou ali, com aquele olhar frágil e ingénuo, típico de quem ainda não sabe nada da vida, e que não sabe que o está prestes a descobrir. Um dos teus braços estava á volta da minha barriga, a minha pele meio pálida e os meus cabelos negros estavam coladinhos à tua pele e a minha mãozinha parava na tua cara, ambas sorriamos para a objectiva, e é incrível poder agarrar naquela recordação e ver, que foi mesmo verdade, que o teu olhar nem sempre foi vazio.
Hoje, imagino-te por aí, a consumires-te à beira de um poço, hoje, imagino-te a caminhares na rua, como quem vive mas não existe, a andar como quem paira, e a fazer do ar que respiras uma brincadeira, imagino-te a dar aquelas gargalhadas que atravessavam as margens do rio, imagino-te ao portão da escola… vejo-te a ser engolida pelos males da carne, a ser levada pela corrente com olhos de maré vaza. É certo que nem tudo o que vagueia não tem rumo, é certo que no meio da podridão do corpo e da fraqueza da alma, está, e estará sempre a mais pura das essências.
Nunca te larguei a mão, e sei que nunca me tiraste do teu colo. Às vezes penso que voltas, que vens de longe, de bem longe, de um sitio que não este, de onde os seus olhos gravaram imagens e as suas canções trazem historias, que reproduzem num canto arrebatador e incompreensível por vezes, que estarás no teu ninho, no teu lugar, como a praia de areia branca e fina, que não é a mesma desde que partiste, vais e vens calma, vais e vens de mansinho, como se não quisesses perturbar os meus pensamentos quando me sento perdida na areia, ou quando me deixo levar pela pequenez do meu Ser ao abeirar-me da tua imensidão, vais e vens, quase silenciosa, quase inaudível, ainda assim, não deixo de largar uma lágrima quando te quero agarrar e escorregas entre os meus dedos.
E deixo-te com a certeza de que, hoje, foi a criança que fui que te escreveu!



Rita Oliveira