terça-feira, 26 de agosto de 2008

A Tela do Pintor


Quando eu era pequenina, rompia da mão da minha mãe a correr pela praia fora, corria direita às gaivotas paradas na areia e não era um passo em falso que me fazia desistir... foi assim que me perdi.
Agora os rebuçados têm outro sabor.
Quando o Pintor agarrou no pincel, prendeu a recordação, a memória, o cansaço de se ser pessoa, a saída da forma humana que alguém consegue mimar e dá cor ao desejo.
E do vazio branco chega à grandeza do sonho.
A realidade destroi a vida.
Ali uma essência de mim se prendeu.
Protegia, meu amigo!
Cuida dela por mim, que eu não sei!
Até que a sensação de perda me devolva o coração e o que desde cedo me levaram.
Soltarei o grito que correrá o Mundo.
Avanço e no caminho encontro o teu sorriso...
O Pintor garrou no pincel e desenhou-o no vazio para mim.
O Pintor apertou com força o seu pincel e desenhou o meu caminho.
O Pintor apagou os charcos da minha estrada.
O pintor fez-te perfeito ao meu lado.
Contou-te os meus segredos baixinho e pintou-me a tua canção.
O Pintor inventou o som das tuas lágrimas a cair.
Deu o brilho aos teus olhos e deu cor vermelha aos meu lábios.
Fez-me correr ao encontro do desconhecido, baixar a espada que me era pesada.
Apagou o disfarce com que parti e finalmente mostrou-me a mim própria, perguntei ao céu «porquê?».
Uns crêem que o Mundo gira à sua volta, outros crêem que ele não gira simplesmente.
O Pintor não via cor.
Pinta!
Conserva-me, guarda o meu ser, protege-me, já que aqui me estrago e estragarei com o tempo.
Guarda-me para não me esquecer do que fui.
Guarda-me para ser fiel ao que sou.
Guarda-me que não é aqui que quero pertencer.
Agarrarei sempre na boneca de pano e taparei os olhos com a ingenuidade.
O pintor parou!
Contemplou a sua obra inacabada...
E abraçou-a com ternura por esta ser imperfeita.
.
Quando eu era pequenina rompia da mão da minha mãe para correr pela praia.
Deixei alguém atrás de mim.
O meu sonho ainda é ir á lua.
Durmo agarrada à minha boneca de pano.
Acho que deixei alguém para trás.
O sonho ficou agora na suavidade de um suspiro...
O pincel fora-me oferecido.
Começarei por vincar as raízes a preto.
Acabarei por criar raízes, aqui e ali.
.
Os laços profundos estão desenhados. Abraço depois o Pintor que os desenhou e também por todas as lágrimas que por mim deitou de puro amor à sua criação, quando o tempo for infinito.
Um dia também eu contemplarei a minha obra de arte de olhos fechados, nessa altura ela continuará a ser imperfeita... mas por fim estará acabada.

Ao meu “Pintor”.
Rita Oliveira
25-08-2008