quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Adivinha...



Por amar o vento trouxe-me.
Por amar cai
Por amar me feres.

Eu deveria ser a união do essencial e não passo da mísera criação das minhas próprias mãos. Uma espécie de aragem fria que se funde com os sons do mundo. Ando por aí a cantarolar, se tiveres olhos para me ver, em caminhos de terra batida, onde ninguém deseja passar em nenhum momento da sua existência. Sendo assim, apago toda a marca vergonhosa que revela a minha passagem por tal lugar, com o meu sopro calmo e paciente.
Por amar, magoaste-me, passo pelos teus ouvidos e sussurro-te ao sabor do meu ritmo, sorriu-te na beleza da minha ilusão sem rancor ao que me viu.
Dei-me ao abismo, à vertigem, ao colchão de palha e ao cobertor velho e roto… Por amar, por ser amada...
Podes ver-me, se tiveres alma, a beijar a areia na espuma das ondas e a recuar assustada, a rebentar violentamente contra o que me impede de entrar pelo Mundo dentro… e acabo por me ir, sem qualquer rancor.
Continuo à porta, sentada na calçada, à espera.
Caminho tão calmamente, como o sol caminha até ao fim do Mundo e regresso para ser a brisa que te envolve em dias de chuva.
Tu, um coração perdido, puro, quente, toma conta de mim… Acabarei por me enroscar no teu colo docemente, sem que dês conta, por me atirar ao abismo e gritar alto que um dia amei. Dar-me-ei à mais pura leveza da alma e do ser, que jamais fora sentida nesse teu peito e no do Mundo, jamais alcançada pelas tuas mãos e pelas mãos daqueles que se julgam criadores.
Até que a lama largue a minha roupa e as minhas pernas caminhem, até que a sede mortal desapareça das minhas raízes inexistentes…

Agora vá, diz-me, quem sou eu?

Rita Oliveira

20-12-2008

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Revolução


Agarrei no lápis, uma mistura de nostalgia temporal com dor e saudade…


«Deitei-me cedo, deixei-me ficar envolvida no calor dos lençóis, até que tudo ficasse longe, até que o peso nos meus olhos fosse mais forte que eu. E assim sem esforço deixei-me vencer.
Era uma rua, em pedra mármore (coisa estranha) incrivelmente uniforme, enquanto tudo parecia baço o seu rosto aparecia-me com uma nitidez extraordinária. Não me lembro de quase nada. Apenas de uma alegria súbita após o abraço, após o beijo, após a distancia das coisas, após o fim. Quase que matei saudade:

Pois então, que o relógio ande para trás!
Que o sol gire à volta da Terra!
Que a Terra gire à volta da lua!
Que o Rei se curve perante os seus súbditos após tantos anos de obediência!
Que ninguém fuja dos problemas e medos!
Que sejam eles a fugir de nós!
Que as senhoras do lavadouro cantem a canção do cego mendigo que está na praça!
Que os sinos da igreja toquem tão alto, que o povo será obrigado a juntar-se nas ruas!
Que o silencio acabe!
Que o bêbedo não tagarele na rua!
Que o teu riso seja o som de fundo de toda a minha vida!
Que vejam os ricos como pobres!
Que vejam os pobres como ricos!
Que seja de noite que as crianças decidam sair à procura da infância!
Que fuja o caçador do olhar da presa!
Que a arma atinja quem a dispara!
Que se vertam lágrimas de felicidade!
Que a chuva caía com tanta força, que o seu poder destrutivo e erosivo me despedace, que se funda comigo, que se envolva em mim e que mande rua à baixo!
Que a realidade seja o sonho!
Que a plenitude esteja na realidade!

Rompi num pranto para fora do quarto, precipitei-me para a porta da rua, os meus pés gelaram logo ao toque no chão frio, a chuva invadiu-me completamente, a roupa veio sufocar-me a pele. Não nos fundimos. Corri pela rua, o coração batia tão rápido, não sei se pelo esforço físico, se pela ansiedade.
Os sinos tocavam, nem alto, nem baixo, na verdade tocavam como sempre os ouvi tocar.
O bêbedo continuava a tagarelar pelas ruas, e as leis da física continuavam a falhar naquele corpo.
Quando cheguei, abri a porta, vi-te, contive a respiração, esperei que o coração saltasse do meu peito e parei nos teus olhos. A roupa descolou-se da minha pele, fazendo-a sentir-se abandonada por momentos, até o calor envolver todos os poros do meu corpo.
Enfrentando a dura realidade, já despida de um sonho vivido num sono inocente e ingénuo.
A realidade cravada na alma, era sempre mais forte que o meu Ser, sim, aquela realidade que age com indiferença perante a minha presença e que se ri ironicamente nas minhas costas.
A ilusão, acaba por se ir deteriorando, tão escassa, desaparece, tal e qual como o ultimo crepúsculo de luz, após o pôr do sol, tal e qual como na rua de pedra mármore, uniforme, onde te abracei com força, pela última vez!… nos meus sonhos!»

Quando terminei de escrever, estava decidida a terminar a história com um «Adeus», mas não querendo verter mais lágrimas, a não ser de felicidade, fica assim:

«Até amanhã… »




Quando sentires que o mundo te virou as costas, olha para trás! Não vais ver uma pessoa abandonada pelo mundo! Apenas uma pessoa abandonada por ti!

Rita Oliveira

8-12-2008