terça-feira, 8 de julho de 2008

Carta: de Alguém para Alguém

Tabacaria
(...)
Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
(...)

Álvaro de Campos


O céu chorou.
Hoje saí de casa, estava a chover, mesmo assim procurei-te por todas as ruas. Senti as gotas de água tocarem-me na pele, de um modo evasivo, até a roupa se colar ao meu corpo.
Tínhamos andado em círculos, eu queria acabar com a sede de liberdade que as lágrimas do céu não conseguiam matar. Fomos unidos...
Fomos unidos pelo não saber ser, pelo vazio que a palavra “Eu” tinha para nós. Pelo teu olhar que desde sempre fora frio, pelo meu coração que nem eu soube aquecer, talvez o céu tenha chorado de dor. Deixaste cair a tua máscara! E eu vi-te.
Procurei por ti!
Chamei alguém que eu não conhecia!
Andámos em círculos, ambos cabisbaixos.
Por isso é que nunca nos vimos.
Por isso é que os nossos olhos nunca se tocaram, por isso o nosso calor nunca se uniu, por isso permanecemos tempo infinito com olhar frio e coração gelado.
Presos ao que não queria-mos ter vivido e que já não podemos mudar.

Procurei por ti!
Para acabar com a transparência. Para acabar com as vozes, para acabar com o eco na minha cabeça, com aquelas noites, passadas no guarda-roupa, a esconder-me dos outros, a esconder-me de mim, a fugir da fragilidade de que ainda hoje fujo, a esconder as lágrimas que chorava por medo, a esconder as lágrimas que chorava por não poder chorar. Mas resistia sempre à tentação que insistia em abordar o meu ser constantemente, e é com pena e vergonha que te digo, que, com o passar do tempo deixei de lutar e vesti a máscara com vergonha de mim, que saí com ela para a rua, que o mundo ganhou uma cor diferente, que sem duvida não era real.
Sou o que sou, porque honro o que fui... deixei a máscara pousada algures dentro do guarda-roupa.
Não voltei lá.

Procurei por ti!
E encontrei-te finalmente de noite...
Junto às dunas, despido, esboçando minúsculos sorrisos ao mar que beija a tua pele.
Ali, com o teu olhar frio, com o céu que chorava incessantemente.
Foi nesse momento que me abandonei. Despi-me e sentei-me ao teu lado, a minha pele estava quente, e a tua tão fria.
Não nos falámos! Ás vezes as palavras só servem para baralhar.
Lentamente... toquei-te na cara para te conhecer.
Fiquei contigo, sentada, e vi-me partir.
Larguei a máscara já tão pesada e deixei-a ir embora com a maré.
Enquanto permanecias sentado, frio, acompanhando o céu, chorando com ele.
Até não aguentares o frio que rodeava o teu corpo...

Posso dizer-te que não gosto da capa que vestes.
Posso dizer-te que sem a capa consigo ver-te.
Posso dizer-te que sem essa máscara consigo tocar na tua cara.
.
Quando os meus lábios não tiverem coragem para dizerem que te amam, abraçar-te-ei...
E não sentirás mais frio.
.
Rita Oliveira
08-07-2008
O Poço

"Afundas-te às vezes, cais
no teu fosso de silêncio,
em teu abismo de cólera orgulhosa
e só a custo consegues
regressar, mas ainda com vestígios
do que achaste
nas profundezas da tua existência.


Meu amor, o que encontras
no teu poço fechado?
Algas, lama, rochas?
Que vês de olhos cegos,
rancorosa e ferida?


Vida minha, no poço
onde cais não acharás
o que no alto guardo para ti:
um ramo de jasmins orvalhados,
um beijo mais fundo que o teu abismo.


Não tenhas medo, não caias
de novo em teu rancor.
Sacode as palavras que te feriram
e deixa que voem pela janela aberta.
Elas voltarão a ferir-me
sem que tu as dirijas,
pois foram proferidas em momento de dureza
e esse momento será desarmado em meu peito.


Sorri para mim radiosa
se a minha boca te fere.
Não sou um pastor brando
como os dos contos de fadas,
mas um bom lenhador que reparte contigo
terra, ventos e espinhos dos montes.

Ama-me tu, sorri,
ajuda-me a ser bom.
Não te firas em mim, que será inútil,
não me firas a mim porque te feres."

(descobri que quanto mais o Homem tenta caracterizar de uma forma complexa a sua personalidade e a do Ser Humano, mete sempre os pés pelas mãos=X).