sábado, 31 de maio de 2008

Andando à chuva



Não era na escola, não era no jardim. Não era feliz em mais lado nenhum...
Era de noite e era naquelas conversas a que chamavas “Conversas de antes de dormir”. Conversas em que a aconchegavas com os cobertores, em que lhe falavas de coisas bonitas e em que ela pequenina e ingénua te falava de sonho.
Criança mas ainda assim sabia da tua luta contra ninguém, contra ti.
Sentavas-te na sua cama, espalhando lágrimas invisíveis pela tua face, insensíveis ao contacto com a tua pele. Tu tinhas o poder de fazer brilhar aquele rosto infantil, já quase adormecido. E isso fazia-te brilhar também.
Ao veres os olhinhos da menina fecharem, aguardavas ali, sem te mexeres, sentada na cama, envolvida por toda aquela fragilidade, tentaste encontrar o suspiro que nunca soubeste arrancar de ti, da alma e do teu corpo que se sentiam aprisionados. Deixavas-te vencer!
Levantaste-te, beijaste a menina que dormia e devagarinho apagaste as luzes, fechaste a porta branca com aquela meia-lua pintada de azul, deixando-a então sonhar descansada.
Mas nunca demorava muito! Uma ou duas horas depois, já tu estavas também envolvida no sono...
Lá vinha ela... muito devagarinho, para não fazer barulho, para não acordar ninguém, abria a porta do teu quarto e perguntava baixinho «Estás aí?». Sem esperar resposta subia para a tua cama e sentava-se à tua frente a ver os olhos que a espelhavam, a aguardar o teu sorriso, para por fim poder enroscar-se nos teus lençóis mornos, deixando de ouvir a chuva, os trovões, ouvindo apenas a canção e todo o carinho...
Voltando ao sonho...
Deves lembrar-te disso...

Ainda que não fosse por muito tempo e ambas sabiam que não ia durar...
Abriste a porta que te levava à saída, com olhos postos na menina que queria sair contigo. Agarraste na maçaneta da porta, as mãos estavam suadas e as lágrimas corriam pela cara de quem não sabia viver, mas soube amar.
O vento tocou-te, os cabelos beijaram-te os lábios.
A porta fechou-se atrás de ti.
Passaste a ser tu! E só tu!
Coração perdido!

Quantas não foram as vezes em que ela acabava por adormecer à espera que a fosses aconchegar?
Quantas não foram as noites em que ela ia devagarinho abrir a porta do quarto e perguntar «Estás aí?»?
Quantas não foram as noites em que ficava sentada na tua cama, à espera do teu sorriso, acabando por se enroscar nos teus lençóis frios?
Ouvindo a chuva.
Ouvido os trovões. Até se cansar.
Até não poder chamar mais por ti...

Deves ter contado os dias em que voltaste à porta que tinhas fechado e que não tinhas força para abrir...
Deves ter imaginado e relembrado a porta branca com a meia-lua pintada de azul...
Deves ter tentado ver o que está agora lá dentro...
Deves ter visto pó...

Deves ter tido medo de não encontrar...
Quem já não conheces...


Rita Oliveira
31-05-2008

sábado, 17 de maio de 2008

Laços


Um pátio, um parque, uma lágrima, um sorriso...
Aquele jogo desenhado no chão... a relva molhada.
Sempre esteve lá... ainda está aqui...
As mãos que se apertavam com a alegria e espontaneidade de se ser criança.
As descobertas...
O Horizonte que parava no olhar à espera de algo...
A euforia de ir brincar com a lua,
De ser criança...
De crescer...
O medo da escuridão, desperto pela noite...
A procura do conforto.
A procura da luz.
Os segredos...
O choro de um...
O choro do outro... o choro dos dois.
Carinho inesperado,
Gestos ingénuos.
A bicicleta, o vento a bater na cara.
O lencinho,
A alegria. O pião que girava... girava...
Girava...
Sem pensar nunca na mudança...
A alma a transbordar de sentir.
A roupa que já não serve.
Mãos que se largaram lentamente.
O romper do tiro que fez começar a corrida...
Saindo do mesmo ponto de partida.
Laços nunca rasgados...
Vidas para sempre entrelaçadas,
Seguindo apenas caminhos diferentes.
Ansiando metas ainda distantes...
Como o jogo marcado no chão,
Como a relva molhada,
Como o escuro, os medos, as lágrimas,
Como o sorriso.
Que existia por sermos nós,
Porque éramos crianças,
Porque somos crianças,
Porque seremos crianças, até o Horizonte desaparecer do olhar.
Que assim seja para sempre!

Rita Oliveira
17-05-2008

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Existes? Então pensa!




Desgastante para ti... como o mar é para as rochas!
Caminhámos!
Caminhei de mãos dadas contigo, tão perto e tão longe de ti!
Subimos montes, vivemos em vales, que eu insisti em inventar!
Tão longe e tão perto do nada.
Uma canção de embalar nos lábios.
Olhos de esmeralda, pintados a tinta de óleo para não terem medo da humidade provocada pelas lágrimas que deixas cair, para não se desbotarem com o tempo!
Sais-te! Pergunto-me se alguma vez entraste!
Sempre quiseste ir tocar na lua. No entanto, tens preguiça de atravessar a rua e ir conhecer o vizinho!
Cá em baixo ainda ficou muito por conhecer!
Sempre pensei que se começava pelo princípio. Sim. O essencial ainda está por descobrir.
Ainda assim é incrível.
Vencidos? Não! Heróis!
Assim nos deixamos adormecer pelo calor humano, tão vital! Deixando por momentos que tome conta de tudo, entregando-nos ao sonho de nos irmos semeando.
Chegaremos ao equilíbrio.
Iremos ser nós a desenhar as feições, a traçar o carácter e a personalidade.
Como uma folha em branco, completamente vazia!
Inicio-me aqui, portanto!
Com mente cor de vento.
Para não ter medo, levamos as tuas duas esmeraldas na memória!
Por fim, despidos do passado.
E sem pudor a viagem começa.
Apertando as tuas duas esmeraldas para te sentir comigo, enfim, para não ter medo.
Pode ser?

E tenho sérias suspeitas, de que a estrelinha que dorme em cima do meu telhado, é obra tua!


Rita Oliveira (02-05-2008)